Quando assumiu a PGR
(Procuradoria-Geral da República), em 2009, Roberto Gurgel, 61, se viu
comandando as investigações do até então mais rumoroso escândalo de corrupção
do país: o mensalão. Durante os quatro anos em que ficou no cargo (2009-2013),
ele foi um dos principais personagens daquele julgamento.
Atualmente, aposentado há quase
três anos e a quatro meses de terminar sua quarentena obrigatória, Gurgel
avalia com conhecimento de causa os episódios da Operação Lava Jato que, na
avaliação do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes,
transformou o mensalão em "crime de pequenas causas".
Em entrevista ao UOL, Gurgel diz
que o juiz federal Sérgio Moro cometeu um "erro grave" ao divulgar
conversas telefônicas entre a presidente Dilma Rousseff (PT) e o ex-presidente
Luiz Inácio Lula da Silva (PT). "Foi um erro grave", afirmou. Gurgel
declara ainda que sempre ficou "perplexo" com as alegações de que
Lula não sabia do mensalão e que não se surpreende com as indicações feitas
pela Lava Jato de que o ex-presidente, de fato, tinha conhecimento tanto do
mensalão quanto do petrolão. O ex-procurador-geral da República afirma ainda
ter suspeitas quanto ao processo de impeachment contra a presidente Dilma e
admite que, no Brasil, é difícil responsabilizar poderosos. "O poder fala
muito", afirmou. Confira os principais trechos da entrevista.
UOL - A Operação Lava Jato vem
colhendo informações preliminares que indicam que o esquema do mensalão e o
chamado petrolão existiam na mesma época e que o ex-presidente Luiz Inácio Lula
tinha conhecimento de ambos. O que faltou, na época do mensalão, para se chegar
ao ex-presidente?
Roberto Gurgel - Quando eu assumi
a PGR, a denúncia do mensalão, a ação penal 470, já havia sido oferecida pelo
meu colega, Antônio Fernando de Souza. O Antônio Fernando, no momento do
oferecimento da denúncia, entendeu que não havia elementos mínimos que
possibilitassem a inclusão do presidente Lula naquela peça acusatória. Naquele
momento já não caberia a inclusão do presidente Lula porque, repito, a denúncia
já havia sido oferecida.
O senhor fica surpreso hoje ao
ter conhecimento de evidências que apontam que o ex-presidente Lula tinha
conhecimento tanto do mensalão quanto do petrolão?
Na verdade, sempre causou
perplexidade o fato de o presidente não ter conhecimento daquilo.
Mas nós, no Ministério Público,
trabalhamos em cima de provas. Eu trabalhava a partir das provas e essas provas
não justificavam que o presidente Lula fosse incluído na acusação. Agora, acho
que é preciso ainda que essas provas sejam dissecadas adequadamente para que
possa firmar um juízo condenatório do presidente.
Informações coletadas pela Lava
Jato apontam que pessoas condenadas durante o mensalão continuavam a cometer
crimes no âmbito do petrolão. Isso lhe causou algum espanto?
Não, nenhuma. Já na época do
mensalão, nós dizíamos que o que foi objeto da denúncia apresentada pela PGR
era a ponta do iceberg. Na verdade, o mensalão, isso era intuitivo, era algo
muito maior. Mas as provas reunidas até aquele momento fizeram com que a
acusação fosse oferecida naqueles termos. Mas acho que as investigações feitas
no âmbito da Lava Jato só reforçam aquilo que o MP se cansou de dizer no
mensalão: que havia um gigantesco esquema criminoso e que o ministro José
Dirceu tinha papel de liderança naquela verdadeira quadrilha que havia sido
montada.
Pelo menos dois procuradores da
Lava Jato disseram que era muito difícil investigar crimes no governo durante
as gestões do PSDB. Era realmente mais difícil em gestões anteriores?
Eu posso falar sobre a
experiência que eu vivi. Durante os quatro anos em que fui procurador-geral, eu
jamais tive ou sofri qualquer tipo de pressão, seja do presidente Lula, seja da
presidente Dilma, no sentido de não investigar determinado fato ou de dirigir as
investigações e a atuação do Ministério Público neste ou naquele sentido.
Quanto a este aspecto específico, os dois tiveram atitude de estadista. Agora,
no período do governo do PSDB, eu tinha outras funções aqui na casa e não
poderia avaliar isso.
Mas o senhor já estava dentro da
instituição durante o governo do PSDB. Durante esse período, era difícil
investigar crimes dentro do governo?
Na verdade, como eu lhe disse, eu
não tinha conhecimento direto disso. Nós tínhamos um outro procurador-geral que
tinha uma maneira diferente de trabalhar. Não poderia dizer se a dificuldade
que acontecia estava no governo Fernando Henrique ou se estava na própria
cúpula do Ministério Público em razão de uma visão diferente.
O senhor acha que o estilo do
ministro Gilmar Mendes, dado o cargo que ele ocupa, é prejudicial?
Acho que na verdade e não me
limito ao ministro Gilmar Mendes, acho que o ideal é que os juízes, seja quem
forem, falem o mínimo possível fora dos autos. Eu diria que é uma recomendação
da prudência que se exige dos integrantes do Judiciário. Não tenho dúvida de
que ultimamente muitos juízes, sejam de primeiro grau ou de tribunais, têm
falado muito fora dos tribunais. É algo que não deveria acontecer. Quanto menos
um juiz falar, melhor. O local de juiz falar é nos autos do processo.
Como o senhor avalia a conduta do
juiz Sérgio Moro no episódio dos grampos envolvendo conversas entre a
presidente Dilma e o ex-presidente Lula?
O juiz Moro tem se conduzido de
modo geral, de uma maneira extremamente elogiável.
Mas como qualquer pessoa, está
sujeito a erros e a equívocos. E, na minha visão, aquele foi um equívoco grave
que foi cometido a requerimento segundo eu soube, do Ministério Público, pelo
juiz Moro.
Não consigo vislumbrar utilidade
ou finalidade processual naquela divulgação. Qual a utilidade e qual a
finalidade de se fazer aquela divulgação para aquela investigação em curso? Não
vejo. E se não houve utilidade, não houve finalidade, a meu ver, essa
divulgação não poderia ter acontecido e acho insuficiente o argumento de que a
população teria o direito de saber quem são os seus governantes.
Claro que a população tem o
direito de saber quem são e o que fazem os seus governantes, mas o Judiciário
não tem essa função de proporcionar acesso a conversações protegidas pelo
sigilo.
O pedido de desculpas que ele fez
adianta alguma coisa?
Absolutamente nada. O prejuízo já
estava feito e esse prejuízo e foi que, nitidamente, a decisão de revelação
daquele diálogo produziu e surtiu efeitos de natureza estritamente política e
este não é nem pode ser o papel do Judiciário.
Os três integrantes da linha
sucessória* ou são citados ou são investigados ou são réus da Operação Lava
Jato. O senhor fica tranquilo se a República ficar a cargo de qualquer um
desses?
Não há dúvidas de que essa é uma
situação peculiar. É uma situação que não seria desejável para qualquer país e
não é desejável para o Brasil.
No Brasil, se discute muito se o
processo de impeachment contra a presidente é golpe ou não. Na sua avaliação, o
processo do de impeachment contra Dilma é legítimo e legal?
Eu acho que se coloca em relação
ao impeachment uma falsa questão. Fica essa discussão no contraste entre se é
golpe ou não é golpe e a discussão fica, como o ministro Ayres Britto
(ex-ministro do STF) disse numa entrevista recente, meio infantilizada.
Evidentemente, há uma previsão constitucional sobre o impeachment.
Então dizem: "ah, se está na
Constituição, então não é golpe". Sim... Mas resta saber a utilização que
se faz desse instrumento. Devo dizer o seguinte: a mim impressiona muito mal
que começou-se a falar de impeachment imediatamente após a reeleição da
presidente Dilma.
Essa é a sua impressão hoje?
Acho que hoje surgiram outros
fatos e o panorama mudou um pouco, mas esse vício de origem continua me
impressionando e continua me colocando em dúvida se realmente estamos
perseguindo um meio de corrigir crimes de responsabilidade e de responsabilizar
a presidente por crimes de responsabilidade ou se estamos utilizando esse
instrumento legal e constitucional com a finalidade de tentar reverter um
resultado desfavorável na eleição.
Colocando de uma outra forma, é
que me parece que não se pode aceitar que num Estado democrático de Direito,
que o impeachment seja utilizado sempre que haja um descontentamento com os
rumos de um governo, seja que governo for. Então, mal passada a eleição,
insatisfeitos com os rumos do governo, já se começa a falar em impeachment?
Por mais que sejam graves e são
gravíssimos todos esses fatos que estão surgindo, relacionados entre outros ao
PT, até agora não há nada que se atribua diretamente a ela, salvo a questão das
pedaladas.
No mensalão, o núcleo financeiro
e empresarial foi o que recebeu as maiores penas. Agora, com o petrolão, o
senhor acredita que a história pode ser diferente e o núcleo político sofra
penas maiores?
É algo que eu desejaria, mas é
algo que me preocupa porque, até o momento, contra o núcleo político não há
nada ou há muito pouco em relação a eles. Por enquanto, temos um grande número
de pessoas condenadas em Curitiba, mas basicamente são empresários. O núcleo
político ainda está digamos, se não a salvo, mas quase a salvo de medidas.
Há mais de um ano que foram
aceitos os pedidos de investigação feitos pela PGR contra pelo menos 50
políticos e poucos deles viraram réus. Por que o senhor acha que existe essa
demora?
Não é fácil responsabilizar
poderosos pelos seus atos. Dou um exemplo: ainda como procurador-geral, eu
apresentei em 2013 uma denúncia contra o presidente (do Senado), Renan
Calheiros, naquele episódio de que despesas de uma filha que o senador Renan
teria com uma jornalista, Mônica Veloso, seriam pagas por um lobista.
Pra se defender no Conselho de
Ética do Senado, ele arguiu que teria determinadas rendas em razão de
propriedades rurais. E apresentou documentos que comprovariam isso. Esses
documentos foram periciados e comprovou-se que era tudo falso. Não havia
atividade rural que pudesse lastrear aqueles pagamentos. Do ponto de vista
técnico, é dos crimes muito fáceis de provar. Foi ele próprio quem forneceu as
provas. Eu ofereci a denúncia em janeiro de 2013 e até hoje a denúncia não foi
sequer recebida pelo STF.
Esse processo está pronto para
julgamento. Portanto, já se está há três anos apenas para tão somente se
examinar a admissibilidade da ação penal. Isso dá uma ideia de como é difícil,
às vezes, esse tipo de atuação em relação a pessoas que detém uma parcela
importante de poder.
Quando o senhor ofereceu essa
denúncia, sabia que iria se indispor com uma das pessoas mais poderosas do
Brasil. Na medida em que o senhor faz isso, se expõe e, uma vez que essa
denúncia demora três anos para ser apreciada, o senhor se sente frustrado?
Eu me sinto imensamente frustrado
porque não é um caso que demande grande complexidade. A prova está toda nos
autos.
O poder fala mais alto nessas
horas?
Não fala mais alto, mas fala
muito.
É curioso que mesmo entre pessoas
no mesmo nível de poder, há pessoas que são particularmente protegidas. O
presidente Renan Calheiros é um deles.
O senhor acha que a Lava Jato
acaba se um outro governo que não o PT assumir o poder?
Acho que as instituições do
Estado brasileiro, o Ministério Público, a magistratura, já atingiram um certo
nível de amadurecimento tal que a Lava Jato aconteceria em qualquer governo.
Ela realmente aconteceria seja num governo do PSDB, ou outro [...] Eu diria que
é praticamente impossível evitar a continuidade e prosseguimento de
investigações como a Lava Jato.
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