Prisão não foi feita para os donos do poder
Publicado por Luiz Flávio Gomes - 9 meses atrás
O direito é instrumento de poder. Nada no mundo jurídico é
construído ao acaso. A pena de prisão foi feita pelos donos do poder, não
(evidentemente) para os donos do poder. Sérgio Moro rompeu com essa lógica do
sistema. Mas sua rebeldia (inclusive frente ao ordenamento jurídico) não durou
nem cinco meses. Por três votos a dois, o STF (Segunda Turma) deferiu o habeas
corpus impetrado por Alberto Toron e mandou soltar nove executivos das
empreiteiras envolvidas na Lava Jato, incluindo Ricardo Pessoa, dono da UTC,
que foi acusado de ser o “chefe” desse cartel (desse clube) que, desde Juscelino
Kubitschek, mancomunado com agentes financeiros, políticos e altos escalões
administrativos, exercita, de forma continuada, uma das mais nefastas
roubalheiras cleptocratas do país (corrupção e fraudes nas licitações públicas,
que financiam as campanhas eleitorais de praticamente todos os políticos).
As massas rebeladas, que apoiaram ardorosamente a cruzada
prisional do juiz Moro – novo salvador da pátria consoante o inconsciente
coletivo -, vão espernear, gritar, descrer mais ainda no funcionamento da
Justiça criminal, mas tudo isso porque sua grande maioria não tem consciência
crítica sobre o funcionamento da pena de prisão (que é uma das ferramentas mais
potentes do exercício do poder). Poderosos somente ficam na cadeia quando
perdem o poder e se tornam inimigos de outros poderosos.
Sempre que as massas obnubiladas pedem ardentemente mais
prisão, os donos do poder (classes dominantes) atendem ao pedido prontamente (e
foi assim que o Brasil chegou ao 3º lugar no ranking mundial, com mais de 700
mil presos, incluindo os domiciliares – a maioria deles sem ter cometido crime
violento). Elas, no entanto, ignoram que a prisão sempre foi feita pelos donos
do poder (incluindo as empreiteiras), não para os donos do poder (= donos do
poder econômico, financeiro, político e administrativo).
A prisão nasceu (como pena disciplinar) no século XVIII,
precisamente quando a burguesia francesa ascendeu ao poder (em 1789). Antes a
prisão era usada apenas como local para a detenção provisória do inimigo
(judeus, hereges, bruxas, marginalizados, dissidentes, contestadores do rei ou
dos senhores feudais etc.), que, no final do “processo”, normalmente, era
condenado à pena de morte. Seja como medida cautelar (tempo das sanções corporais),
seja como pena (era das sanções disciplinares, como afirma Foucault), a prisão
é uma sanção reservada aos inimigos de quem detém o poder (ou de quem está
estabilizado socialmente).
Em relação aos amigos (cidadãos das classes sociais abastadas
ou confortadas) impõe-se reconhecer que o sistema criminal foi inteiramente
projetado para, em primeiro lugar, garantir sua impunidade. Quando condenados,
raramente o são com a pena de prisão. Assim funciona o sistema (muito mal
compreendido pelas massas vagantes e errantes). Deu, portanto, a lógica no
julgamento do STF que, enfocando os empreiteiros como “cidadãos” (não como
inimigos), substituiu a prisão por medidas alternativas. Isso se deu porque era
extremamente duvidosa a fundamentação jurídica da prisão (os advogados,
enfaticamente, sempre contestaram o “abuso”) e também porque entrou em jogo (no
escândalo do petrolão) a liberdade dos donos do poder (os que mandam e
desmandam no país).
A decisão do STF, por coerência, foi estendida a todos os
demais presos na mesma situação. É de se lamentar que ele, também sem
consciência crítica, não tenha fixado altíssimas fianças, muito adequadas para
os acusados de corrupção. Serão raras (doravante) as delações dos donos do
poder. Omertà sempre foi a regra dos mafiosos. Os processos criminais vão
demorar muitos anos para acabar (a morosidade da Justiça frente aos poderosos
não é fruto do acaso). Os recursos são infinitos, porque constituem a base de
sustentação das prescrições. Assim funciona o sistema da Justiça criminal.
Aliás, não há nenhuma novidade: sempre foi assim. Se tudo terminar em pizza não
será surpresa.
As duas prováveis consequências da decisão do STF são: (a)
mais ladrões de galinha nos presídios; é dessa maneira que a Justiça “vende”
para a população enfurecida (e inconsciente) a sensação (ilusão) de que o
sistema criminal “funciona”; (b) possível incremento da sonegação de impostos
(incluindo a corrupção dos “juízes” do Carf, depósitos criminosos no sistema
financeiro HS (im) BCilizado etc.) como meio de contestar “tudo que está aí”
(um Estado governado e dominado pelas bandas putrefatas das classes dominantes,
que são as responsáveis pela ladroagem cleptocrata que distingue o Brasil como
país subdesenvolvido; tais classes nem sequer empobrecidas são, mesmo quando
apanhadas nas suas escabrosas e reiteradas pilhagens do patrimônio público, que
constituem uma das formas culturalmente aceitas – por enorme parcela da
população brasileira – de acumulação – ilícita – de riqueza).
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